terça-feira, 21 de julho de 2009

Quarenta e sete centavos

Num belo dia (nem me lembro se tão belo assim), parando o carro num sinal vermelho próximo ao Rink, observo que vem vindo o velhinho pedinte "costumeiro" daquela área.
Já viciado na "pedida", ele repete o chavão de sempre:
"- Dá uma ajudinha", enquanto chacoalha as raras moedas que arrecadou (ou pelo menos parte delas).
De saco cheio de "ter que dar ajudinha" a cada ser que me aborda pelos 25 sinais-vermelhos-de-cada-dia, me caiu um raio na cabeça e um saca-rolhas gigante parece estar se movendo na minha cabeça.
Meio que enraivecido por aquela obrigação de salvar o mundo, que os mais-pobres-que-eu pensam que tenho, só por estar a bordo de um simples Gol 95 (quase 100% doado), acabei deixando meu malvado lado tenebroso falar por mim...
"-Me dá uma ajudinha por quê? Por que eu tenho que te dar uma ajudinha? Ajudinha coisa nenhuma!!" Exclamei quase engasgando na lava vulcânica que parecia escorrer da boca.
Aí o velho pedinte me surpreendeu, apontando para as minhas moedinhas que estavam sobre o painel do carro (e que eu nem havia percebido):
"Aê. Você tem essas moedinhas aí. Me dá elas pra mim".
Senti que minha fúria aumentou, a ponto de sentir uma quentura "menopáusica" percorrer todo o meu corpo e não contendo a resposta que me veio à boca, e exclamei:
"Essas moedinhas não dão nem pra eu botar gasolina. Me dá você o seu dinheiro. Por que eu que tenho que te ajudar? Me ajuda aí você!".
O velho sem perder a pose, esticou devagar a mão na minha direção e enquanto derramava as moedinhas na minha mão desacostumada, disse:
"Tá bom. Se você precisa, leva aí..."
E foi assim que "tomei" 47 centavos do velho.

Sempre que conto esta passagem, provoco risos ou descrença. Embora esta história seja real, como todas as outras que relato, nunca havia percebido o possível desdobramento dela.
Talvez não tenha sido um "gênio do mal" o inspirador daquela minha atitude. Hoje penso, que pode ter sido uma centelha Divina que me fez ter aquela atitude.
Se eu fosse um velho pedinte, desrespeitado e massacrado pela vida e suas agruras... Sempre colocado de lado, um verdadeiro "ninguém" para o mundo, para a família...
Será que ser igualado a outro ser humano, mais rico (sim, porque muita gente pensa que quem dirige um Gol 95 é rico, principalmente se for um mendigo), mais "limpinho" e cheio de moedinhas, que ao invés de "ter pra dar" era mais necessitado do que eu, e eu tivesse a oportunidade de abrir minha mão e despejar a féria do meu dia para ajudá-lo; sentir que havia sido útil, salvador e necessário, não me faria parar para repensar minha existência?...
Talvez a gente nunca saiba.
Talvez algum dia, eu deixe o Golzinho com o velho e passe a fazer "coleta de donativos" naquele sinal do Rink. Quem sabe aí eu consiga saber de verdade o que se passa na cabeça (e no bolso e no estômago) do velho.