terça-feira, 29 de julho de 2008

SORVETE!

(texto a ser corrigido)

PARTE I – Cenário e Descrição
Século XXI.
Verão.
Cabo Frio, RJ.
10:15h da manhã, sol castigando.
Praia lotada.
A primeira latinha já havia sido respeitosamente detonada.
Sigo para um mergulho, pra esfriar o corpo e os pensamentos.
De volta da gelada água, com meus 99,9 Kg já devidamente acomodados na coitada da cadeirinha de alumínio, me passa por perto sabe quem? Isso mesmo, a vendedora de picolé!
(Interessante observar, como em determinadas situações, as coisas ganham outros sentidos e valores. Jamais pensei que fosse ficar feliz em ver uma vendedora de picolés...)
“Ei, aqui. Picolé!”, exclamei.
(Logo eu, tão tímido, ficar chamando “EI-AQUI-PICOLÉ”, para mim era uma surpresa. Será que era a antecipação da felicidade de aplacar minha contra-sede? Ou eu estava delirando sob o forte sol? Ou ainda, será que a dosagem de álcool daquela simples e única latinha havia se multiplicado, desdobrando-se no contato com a minha química cerebral?)
...Bom, o que importa é que a moça veio.
E veio determinada a tomar meu real (R$1,00) sem pena.
Mas foi quando eu fiz aquela tradicional e desgastada pergunta: “TEM DE QUÊ?”, que minha vida começou a mudar.

PARTE II - O Desenrolar
Ela, com uma naturalidade bem maior que a naturalidade da água que deve ter sido aplicada àquele picolé, me respondeu abusadamente:
-“TEM DO QUE VOCÊ QUISER!”

Eu não poderia fugir de um desafio desses...
Não eu, o super-aproveitador-de-situações-inusitadas!

Ahãããnnnn! Vou pegar ela pelo pé! (pensei eu):

-“TÁ LEGAL. ME DÁ UM DE JACA”.

Ela me encarou bem nos olhos.
Por um micro-segundo, pensei que já estivesse derrotada, imaginando uma resposta sem graça.

... Disse ela:
“OK, TÁ NA MÃO”.


PARTE III – O Princípio do Fim

Silêncio em todo o Planeta Terra..., ..., ... .

Nuvens encobriram totalmente o sol.

A água parou de “bater” na praia.

As crianças paralisaram-se, como se estivessem brincando de estátuas...

Minha vida inteira passou em frente aos meus olhos como numa fita de cinema antigo.

Chegou minha hora. É o Juízo Final ... !!!!!


Ele (Juízo Final) estava bem ali na frente. Quase todos os meus sentidos podiam perceber:
Eu ouvia a moça falando como se estivesse looooooonge.
Via a moça balançar aquele instrumento de vingança, o picolé de jaca, como se estivessem ambos numa nuvem neblinótica, bem na minha direção.
Sentia um cheiro, que deveria ser parecido com enxofre derretido, das Profundezas do Abismo.
Sentia o gosto de metal incandescente na minha boca...

PARTE IV – A Rendição
... Não, eu não morri. Pelo menos, acredito que não!

Continuei a degustar aquela situação nova.
Porque dessa vez, eu era quem estava derrotado. (Como é bom para o amadurecimento psico-qualquer-coisa, sair perdedor de vez em quando...)

“TÁ BOM”, disse eu, já quase nivelado ao chão (não fossem as protuberâncias das minhas arredondadas formas). “DEIXA EU VER ESSE SORVETE”.

A gelada moça, esfregou na minha cara um exemplar de algo que até então não existia, mas que ela como num passe de mágica, trouxe à existência.
Sim, ele, o Picolé de Jaca, que ficou me encarando com toda aquela soberba e imponência, como se a sua frutuosidade gélida fosse sinal de superioridade!

Impávido.
Intransgredível.
Indigestivelmente insugável.
Transgênicamente palitado, ele : exemplar único de uma recém-criada espécie em extinção!
Quem já comprou um desses?
Quem compraria um desses?

Pois bem, eu já tinha perdido todas as esperanças de reverter aquela disputa.
Ele, o Geladão Jacoso, com sua aliada, a gelidosa moça do sorvex,
(lembrei que era assim que a Kibon anunciava seus sorvetes na década de 50: sorvex Kibon), haviam jogado sua atômica bomba sobre a minha Hiroxima; lançado seus alados transportes sobre minhas gêmeas tôrres.
O que me restaria fazer?

Pagar.

Paguei.
Fiz cara de que estava adorando, como se minha vida inteira estivesse esperando por isso. Do tipo: quando-minha-avó-perguntava-o-que-eu-queria-ser-quando-crescesse-eu-dizia-:-chupador-de-picolés-de-jaca-!

Desembrulhei a jaca gelada.

Fiquei meditando sobre as coisas estranhas que a vida nos reserva...

Lembrei da minha primeira bicicleta e do tombo que levei com ela no sitio.
Lembrei da vez que entrei no meio de uma fogueira aos 8 anos de idade, com capacete de Astronauta da Estrela, que era de plástico e deixava a gente sufocado com a fumaça retida.

Quanta meninice. Quanta bobagem!
Como era bom...

Notei que ninguém estava me olhando, e nhac. Mordi um pedaço.
Vamos lá sua jaca gelada. Vamos ver quem desaparece primeiro.

...Gostei!

Pensei que não fosse gostar, mas gostei.
Tinha um suave sabor desjacquificado da fruta. É como se houvesse uma rala presença de jaca numa aquosa mistura doce de aromas à baixa temperatura.

Picolé de que? De jaca.
Sim senhor, é legal.
E tem vitaminas C e W. Pelo sabor, eu acho que tem.


E agora, ano após ano, eu faço minha peregrinação a Cabo Frio, sempre no verão, à procura daquela “santa moça”, fornecedora dessa pura iguaria, conhecida popularmente como picolé de jaca.